Na casa dela, o almoço mais gostoso da semana tem gosto especial
Heloísa Bacellar sempre adorou tudo o que se relacionasse à cozinha. Aos 13 anos, o primeiro objeto adquirido foi nada menos do que uma mesa de jantar, que ela trocou pela própria cama com uma família em dificuldades financeiras em São Luiz do Paraitinga, no interior de São Paulo. Depois, a menina começou a notar que ninguém mais dava valor a tigelinhas dos anos 1930, nem dos anos 1940 ou dos 1950. Para reparar a injustiça, passou a juntar todas as que encontrava em feirinhas de antiguidade e casas de parentes. A mesma coisa aconteceu com talheres, que hoje já somam centenas e centenas na sua casa no Pacaembu, na capital paulista.
Há ainda formas de materiais e formatos variados, pratos, bowls e bandejas ultrapassando milhares de acessórios culinários. “Amo uma feira de tranqueiras, mas também ganho de clientes e de leitores dos meus livros objetos maravilhosos, antigos e cheios de afeto”, comenta Helô. No entanto, poucas marcas da coleção são tão significativas quanto um liquidificador de mais de cinquenta primaveras: “Com ele, aos cinco anos, minha avó me ensinou a primeira receita: maionese caseira”.
Helô também se orgulha da frigideira que a mãe fritava bifes durante toda a sua infância, pendurada num dos principais cantos da sua cozinha espaçosa e cinematográfica. A tal mesa de madeira sólida e escura, cheia de veios, também está lá e é a base das refeições em sua casa. De domingo a domingo.
A bem da verdade, qualquer dia tem pinta de domingo nos arredores do fogão da Helô. Uma jovem Dona Benta intelectualizada, essencialmente doce e caprichosa. Sua mesa sempre é posta com esmero e ora assume ar de casa de campo na Provence, ora de fazenda mineira ou de praia no nosso litoral nordestino e até de castelo inglês, dependendo da inspiração da cozinheira. Já as receitas são pensadas nos mínimos detalhes, como as dominicais, que hoje ponderam praticidade e custo, sem perder nem um tico de elegância.
“Todas custam pouco, o que é coerente com a vida das pessoas ‘normais’, são simples e podem ser adiantadas na véspera”, explica a cozinheira. Por exemplo, o lombinho de porco é um prato que ela cresceu comendo e hoje reproduz ao estilo da avó: “Ela sempre preparou a carne na panela dizendo que ficava muito mais macia e úmida – e é verdade. Ela usava limão e água, ou suco de laranja ou vinho branco completando com água. Para deixar mais saboroso, temperava com pelo menos três horas de antecedência. Não dá trabalho algum, é só deixar a panela no fogo. Quando o líquido seca, a carne está cozida e macia”, orgulha-se.
Para acompanhar, as batatinhas foram inspiradas nas páginas de uma das edições da revista americana Gourmet, editada há mais de vinte anos. A biblioteca gastronômica da Helô, aliás, conta com mais de três mil exemplares: “Tudo lido, rabiscado e anotado sem dó”. Como propõe que você faça com o livros que ela lançou.
Heloisa Bacellar é autora de várias obras, entre elas a deliciosa Cozinhando para Amigos, com dois volumes, que vem ensinando muita gente boa a cozinhar e a mais recente, Brasil à mesa, de 2014. Bacalhau: histórias e receitas trata apenas do peixe e a credencia como uma das maiores especialistas no preparo do ingrediente.
No seu domingo, ela vai buscar o clássico bacalhau à brás, “porque é rapidíssima e boa para aproveitar lascas e sobras”. O toque especial vem de uma sacada: em vez de batata palha dourada no azeite, faz mandioquinha no óleo, “que mascara menos o sabor e deixa o prato com ar mais brasileirinho”, diz, como a boa professora que é. Encontrar com a cozinheira é sempre uma delícia, seja por ouvir as histórias que conta, para aprender com as dicas que ela dá, para mergulhar num mundo no qual a comida sempre foi coisa de família, elemento para agregar e fazer as pessoas mais felizes. Mais um canal para o amor de mãe, de avó, chegar aos filhos. E quer coisa melhor do que uma macarronada para fazer isso?
“Faço uma homenagem aos românticos e às crianças ao estilo de A Dama e o Vagabundo. Com um molho ultra prático e saboroso repleto de tomates maduros, cebola, alho, ervas e azeite que vão juntos ao forno e ficam à espera de almôndegas clássicas, feitas de carne bovina e linguiça, e de um espaguete al dente.”
Para Helô, enfim, almoço de domingo é sobretudo um momento, daqueles que merece carinho – flores para enfeitar a mesa, a louça mais querida, os melhores talheres e, de preferência, bastante fome.