Ela abre a sua casa e faz a nossa comida para celebrar
A casa da Ana Luiza Trajano, em São Paulo, tem uma cozinha grande, debruçada na sala de estar. Quando eu entro num ambiente integrado com o outro, encontro a cozinheira em ação. Ela faz um baião de dois, feliz da vida. Ali é o lugar no qual ela adora estar, especialmente quando recebe as pessoas. “A casa está sempre aberta para receber gente legal. Fui criada assim.”
Ana Luiza cresceu “na Franca”, como dizem na cidade do interior paulista, envolvida por tias que não são tias. São as amigas da mãe dela, que convivem com ela desde criança. Depois cercou-se de amigos que fez quando estudou gastronomia na Itália (não havia cursos da matéria no Brasil), da faculdade de administração que cursou em São Paulo, gente da cozinha, naturalmente. “As pessoas surgem na nossa vida para agregar, né? E eu tenho usado a cozinha para não perder essas relações. Nada agrega mais do que a boa comida.”
Numa dessas madrugadas, se viu na sua confortável bancada fazendo massa de macarrão, com alguns deles, depois de um evento. “Não me lembro quantas horas tinhas, mas eram muitas”, diverte-se.
Assim como nos momentos que prepara todo o ritual para encontros mais programados, geralmente nos fins de semana. Há ocasiões que ela chega a receber 20, 30 pessoas. Então monta uma estação para os vinhos, outro para água, deixa a mesa pronta, incluindo a meia dúzia de lugares que têm defronte ao seu fogão. “A intenção é que todo mundo fique absolutamente à vontade, sentindo-se na própria casa”, diz. E completa: “Deixo tudo pronto para eu também participar da festa.”
No cardápio, comida brasileira, claro, incluindo os pratos que a família adora e são sempre servidos nos mais diversos rega-bofes. A leitoa a pururuca é o preferido da matriarca. É a receita-estrela do Natal e que, veja só, colocou Ana Luiza na cozinha. “Lá em casa, a parte da pururuca vai para os mais velhos; a carne branca para os adultos e os pequenos só faltam roer os ossos.” Para beliscar o pedaço mais crocante do suíno, ela passou a fazer o prato. E continua responsável por ele até hoje.
A diferença é que ela agora separa os nacos mais apetiotosos para os filhos, Pepeu e Tutu. O mais velho acha que o baião de dois é o melhor prato do mundo. O caçula, orgulha-se a mãe, come quatro pratos de feijoada, apesar dos parcos 8 anos de idade.
As receitas preferidas dos pequenos também não faltam nos encontros na casa da Ana Luiza, assim como o arroz de frutos do mar, “que todo-mundo-a-do-ra”. Todas elas têm seus segredos revelados nos livros lançados pela cozinheira e, mais do que isso, têm as suas histórias pesquisadas por ela.
O gosto pela pesquisa se deu dentro da casa os pais dela, onde não faltam livros e estudo. Eles são os valores da família, como diz. Os Trajano passaram por grande ascensão social, desde que transformaram a sua Magazine Luiza em sinônimo de loja de venda de eletro-eletrônicos. O dinheiro, no entanto, não mudou a essência da vida deles. “De onde eu venho, o que vale não é o que você é ou o que você tem. É o que você representa.”
A ideia, de certa forma, também a levou à criação do Instituto Brasil a Gosto. “A cozinha é a minha paixão e não quis que ela estivesse desconectada de um projeto de vida.” Foi na casa onde os avós chegaram como retirantes (os maternos vieram a pé de Caetés, em Pernambuco) que Ana Luiza aprendeu o valor da cozinha brasileira. “Eles cresceram socialmente mas fizeram questão de ter a culinária de casa absolutamente brasileira, sem a afetação de importar pratos e costumes da França, por exemplo.” E lembra: “A casa da minha vó tem fogão a lenha aceso até hoje”.
O contato com outras culturas acontecia quando a mãe levava os filhos, do interior para a capital, para frequentar restaurantes a la carte, que não existiam em Franca. “Não podemos fazer delas as nossas primeiras referências.” O instituto é peça fundamental para isso. Ana conta que o restaurante que dá nome ao projeto atual ia muito bem, obrigado, até quando foi fechado definitivamente.
Na verdade, ele era pequeno diante da missão que tem a entidade, de fato, uma referência definitiva para a culinária do Brasil. “A cozinha de um país está viva quando, de fato, é feita na casa das pessoas. Nós podemos evoluir demais neste aspecto.”
Ela se refere, sim, as festas do ano todo que podem ter um sotaque mais brasileiros. Assim como os encontros que adora proporcionar. E, como diz, quem quiser pode chegar. “Na minha casa não tem essa de avisar antes. Feio não é aparecer de surpresa, é comer e não repetir.”